Tímidos vivem entre a tortura de se expor e o medo de falhar

Curso vai ensinar a ter  autoconfiança e auto-estima, os remédios contra a timidez

Nariz empinado não é a marca dos chatos. Suor abundante não denuncia apenas calor. E mão gelada não é só de defunto. São alguns sintomas e defesas daqueles que morrem de vergonha: dos tímidos. E aí, não há exceção. Ninguém está livre de sentir as bochechas arderem. “O que vão pensar de mim?” é a pergunta que frusta desde paqueras até carreiras profissionais. Mais que um bloqueio, a timidez é uma tortura. Não há nada pior que uma dor de barriga no meio de uma cantada ou uma tremedeira diante de uma platéia.

Ninguém tem mais medo do homem do que ele próprio. O pavor da rejeição e da falta de experiência inibem as atitudes mais comuns. A aproximação do sexo oposto e a apresentação em público são os dois tipos de timidez mais freqüentes e fazem qualquer um corar, tremer e sentir uma irresistível vontade de sair correndo.  

“Na hora de falar em público, mando outro em meu lugar e se dependesse da coragem de chegar numa mulher estaria só até hoje”, confessa o arquiteto José Augusto das Graças, de 30 anos. Todas as suas namoradas foram apresentadas a ele por amigos. “Temo a rejeição.”

Timidez é fruto do medo do resultado de uma ação. “Ela está ligada à avaliação negativa que a pessoa faz de si ou daquela que teme que virá dos outros; em resumo, é o melhor do fracasso”, explica a consultora em Lógica e presidente do Susan Leibig Institute, Susan Leibig Martins. Ela desenvolveu um amplo estudo sobre a timidez e garante: “Ninguém nasce tímido, mas todos criam a inibição dependendo do desenvolvimento da auto-estima e da autoconfiança.” Susan vai ensinar como fazer isso na medida certa num curso de oito horas de duração, no dia 6, em São Paulo.

 

Causa – O segredo para vencer a timidez está na avaliação da sua causa. Quase sempre as pessoas têm um medo desproporcional frente ao desafio. “Criam ansiedade e aí não conseguem se mover”, diz Susan.

Gênia Winitzki desde a infância carrega o sentimento de rejeição. “Acreditava que as pessoas não gostavam de mim por ser uma imigrante israelense, por me achar feia e fora dos padrões sociais.” Quando andava nas ruas, não conseguia coordenar os movimentos dos braços e das pernas ao perceber estar sendo observada por um rapaz. “Sempre acabava tropeçando.”

A integração social é difícil para muitos. O empresário Raul Miedzigorski, de 37 anos,  conquistou sucesso profissional graças a facilidade de se impor no mundo dos negócios. “Mas quando se trata de fazer parte de um grupo de amigos, sou tão tímido a ponto de não conseguir conversar e sempre acabo ficando de lado”, diz. Do mesmo mal sofre a modelo Priscila Barp.

A timidez atrapalha a busca pela  qualidade de vida, diz Susan. “No trabalho, muitos se retraem quando ficam frente a frente com o chefe”, afirma. É preciso coragem. “Os autoconfiantes vencem porque aprenderam a ter certeza da vitória, enquanto os tímidos ficam na vontade de fazer, mas desistem por falta de coragem, medo ou vergonha. “

Suzy Gheler sempre segurava um lenço toda vez que participava de uma reunião de diretoria da empresa onde trabalha. “Morria de vergonha quando cumprimentava as pessoas porque minhas mãos, além de molhadas, sempre estavam geladas.” Isso aconteceu até o dia em que percebeu que se não era a melhor, era uma das melhores no seu trabalho.

 

Vergonha – “Agora falta conquistar isso no dia-a-dia.” Ela ainda entra nos lugares lotados escondendo-se por trás do estrabismo. “Tiro os óculos para não enxergar ninguém e assim não ter de cumprimentar.” Suzy é tida como antipática e sabe disso. “Mas morro de vergonha.”

Muitas pessoas já perderam oportunidades na vida por timidez. “Desisti de dar aulas por inibição e me arrependi”, conta o eletrotécnico Carlos Alberto Xavier, de 37 anos. A vendedora Márcia Barreto, de 22 anos também: “Recebi um convite para ser recepcionista e, apesar do salário maior, não tive coragem de enfrentar o desafio”, conta.

Como ela, muitos vão tentar o nariz empinado ou o olhar perdido. No final, vão desistir. Pelo menos enquanto faltar coragem.

 

Passos para evitar a timidez

·        Descobrir qual o medo que está por trás da inibição.

·        Encontrar a causa do medo.

·        Avaliar se o que sente é medo ou ansiedade.

·        Se for medo, precisa ser estudado, treinado para se buscar meios de enfrentá-lo.

·        A timidez cresce com a criança. Os pais precisam aprender a dialogar com os filhos.

·        Se a criança for muito tímida, é necessário levá-lo a um profissional que a libere.

·        Procurar reforçar o que a criança tem e o que faz de bom.

·        A superproteção não treina a criança para desafios.

 Tímidos tentam fórmulas para vencer inibição

Do álcool a treinamentos próprios, tenta-se de tudo; para consultora, é preciso esquecer o medo e no lugar colocar a autoconfiança.

 Na tentativa de vencer a timidez surgem as mais diversas fórmulas. Mas há uma que não falha. “É um bom gole de vodka”, garante Suzy Gheler. Ela se tornou aluna de um curso de sapateado na esperança de corar menos ao apresentar-se em público. “ Mas a cada festival de dança, se não tomar uma dose antes do espetáculo não piso no palco”, diz. Suzy reconhece que a vodka dá uma segurança passageira. “Na hora dos elogios pela apresentação, volto a ficar vermelha”.

Não adianta vencer apenas em alguns minutos. “É preciso apagar o medo e, no seu lugar, colocar a autoconfiança”, afirma a consultora Susan Martins. Segundo ela, é necessário construir uma ponte sólida para o futuro. Ela garante que, por meio da Neurolingüística, a pessoa consegue pessoas instantâneas na mente. “Passam a conhecer os passos da mente, modificam a informação dando o significado e a avaliação exatos ao desafio que as espera”.

A adolescente Joana Mackenzie de Castro, de 11 anos, fez o curso de Susan Martins. “Aprendi a dar pouca importância ao que os outros acham de mim, reduzi minha ansiedade e desenvolvi a autoconfiança”, diz repetindo as palavras da consultora. A garota tímida que não tinha amigos, agora é uma das mais expansivas da turma. “Estou até escrevendo um livro, coisa que morria de vontade de fazer, mas não tinha coragem por achar que as pessoas iriam rir de mim”.

A empresária Cláudia Martins está a três anos tentando vencer a timidez com força própria. Dona de uma importadora de produtos natalinos, ela é sempre requisitada pela imprensa para reportagens. “No início, nem conseguia olhar para as camêras”, lembra. O domínio veio aos poucos. Agora, ela já se sente mais segura. “Mas a tremedeira ainda é grande”.

Há quem consiga chegar ao outro extremo. O administrador de empresas Marcos Dardes, de 36 anos, fez o curso para se livrar da timidez que o impedia de se aproximar das mulheres. “Agora meus amigos dizem que preciso fazer um para voltar a ser tímido”.

 Problema ataca até os atores.

A timidez ataca todo mundo. Até quem enfrenta multidões, como os artistas. A atriz do programa TV Pirata da Rede Globo, Denise Fraga, que apresenta em São Paulo a peça Trair e Coçar é só Começar, no  Teatro Zaccaro, passa mais de duas horas no palco em “cenas despudoradas”, como ela define. “Faço tudo com a maior naturalidade, mas quando tenho de voltar ao palco, no fim do espetáculo, apenas para avisar ao público sobre o calendário de apresentações, sinto minhas orelhas se incendiarem”, diz. “A Denise me deixa nervosa, prefiro as personagens.”

Ela dá um aviso aos fãs. “Quando me virem dando gargalhadas, tenham certeza é um sinal de timidez.” Denise só não é tímida no palco porque descobriu que ali desempenha a melhor de suas atividades. “A fantasia me livra da timidez.”

Dois lados – Segundo a consultora Susan Martins, isso é comum. “A pessoa geralmente têm um lado autoconfiante e outro que morre de medo”, Explica. Quem enfrenta a timidez faz por coragem.

O ator Paulo Autran, atualmente com a peça O Céu tem que Esperar, na sala São Luís, em São Paulo, garante: “Os melhores atores sempre são pessoas tímidas.” Segundo ele, o extrovertido está acostumado a se exibir.

Aos 18 anos, a inibida Priscila Barp consegue se transformar no que classifica de “mulherão” quando está na passarela. Modelo da agência Táxi há três anos , ela lembra que foi muito difícil acreditar na chance de pisar nas passarelas.

Incentivo -  “Sempre fui muito para dentro, me achava magrela e feia demais, mas no fundo, sonhava com o mundo da moda”, diz Priscila.

O incentivo da mãe valeu a vitória num concurso que a colocou entre as modelos mais requisitadas da Taxi. “Quando desfilo, ninguém acredita que sou eu mesma, mas basta descer da passarela para voltar a ser retraída até com o meu namorado”, conta.

Quando a timidez se manifesta

·        Falar em público.

·        Conversar com autoridades.

·        Aproximar-se do sexo oposto.

·        Reclamar em locais públicos ou comerciais.

·        Vestir-se de maneira ousada.

·        Chamar pelo garçom, balconista ou recepcionista mesmo que outros passem a sua frente.

·        Ser observado.

·        Pedir reajuste de salário.

·        Revelar cansaço.

·        Negociar preço.

·        Mostrar o próprio corpo.

·        Falar ao telefone.

 (Márcia Guerreiro)

Fonte: O Estado de São Paulo; Cidades; 29/11/1992; pg. 01-02

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