Alma gκmea, nada mais que uma miragem

A gente não se contenta com um homem apenas amoroso. Queremos alguém que concorde conosco e preencha as nossas carências. Enfim, um misto de robô e super-homem.

Você tem certeza de que gostaria de ter um namorado carinhoso, simpático e íntegro? Saber que ele reúne essas qualidades e a ama de verdade seria suficiente para você entrar de cabeça na relação? A maioria de nós responderia com um sim redondo às duas perguntas. O dia-a-dia, no entanto, mostra que na hora do "vamos ver" só isso não basta. Queremos alguém que aceite nossas imperfeições, não questione nossas atitudes e concorde com nossos pontos de vista. Em outras palavras, uma alma gêmea.

"Alma gêmea ou um robô programado para dizer sim?", provoca a terapeuta Susan Leibig, que há dez anos trabalha para mudar a visão de encontro amoroso de seus pacientes. Filósofa, economista com mestrado em Neurolingüística, além de especialista em Ética, Lógica e Física Quântica, a terapeuta agregou conceitos de todas essas áreas para desenvolver sua teoria. De tão original, virou curso – Alma Gêmea, a Chave de um Relacionamento Feliz - , ministrado sem regularidade em São Paulo.

Parece que a abordagem da terapeuta funciona. A advogada Cílade Scorsoni Pessoa, 31 anos, chegou ao curso cética, meio empurrada pelo namorado, o economista Carlos Eduardo Dias, 36 anos, paciente de Susan há dez anos. Saiu de lá fazendo um mea-culpa: "Sou muito autoritária e crítica. Basta o Carlos dizer alguma coisa da qual eu discorde e pronto: respondo na hora. E não é só com ele, não. Nada escapa, nem programa de TV. Até então não via nada de errado comigo. As pessoas é que tinham de se adaptar ao meu ritmo e às minhas exigências".

Passados quatro meses do curso, o casal, agora noivo, continua em ritmo de mudança. Carlos elogia o esforço de Cílade: "Ela se achava dona da verdade. Hoje pensa antes de falar, de criticar. Ficou mais ponderada". O economista diz que, com a terapia, aprendeu a enxergar as namoradas como seres humanos cheios de problemas, defeitos e preocupações parecidas com as dele. "Também descartei aquela crença de que o que é bom para mim tem de ser bom para minha parceira. As pessoas têm valores diferentes e não adianta a gente querer provar que os nossos são melhores".

Não é passe de mágica

Qual o segredo para tanta compreensão? "Permitir ao outro se expressar livremente", diz Susan. "Embora essa premissa seja a base da justiça e fundamente os direitos humanos, nosso senso ético desaparece quando o outro em questão é a pessoa amada". Susan está certa. O ardor com que defendemos publicamente os direitos alheios – seja o de um colega de trabalho de discordar do chefe ou o dos presos políticos em Timor Leste – desaparece na primeira discussão com o namorado. Cobramos transparência e honestidade, mas não conseguimos digerir verdades que nos incomodem. Não ouvimos o que nosso parceiro pensa nem o incentivamos a fazer o que gosta – se o gosto dele for diferente do nosso.

É aí que entra a teoria de Susan. Segundo ela, as relações tendem ao fracasso porque é impossível encontrar uma única alma gêmea, essa pessoa que sintonize conosco em tudo. Mas é muito fácil ter várias almas gêmeas em vários setores da vida. Em vez de cobrar a companhia do namorado em programas que não o entusiasmam, deveríamos compreender que ele tem o direito de não ir. "Almas gêmeas convivem bem porque se respeitam. A opinião do outro não é contra você, apenas divergente da sua", ensina a terapeuta.

Obrigar alguém a viver grudado na gente é uma espécie de escravidão. Almas gêmeas prezam a liberdade e valorizam suas escolhas vivenciando-as com prazer. Se você é fã do Almodóvar, sairia feliz do cinema se for alguém que o adore o cineasta espanhol. Levar o namorado só porque você o quer a tiracolo é um desrespeito. É briga certa: ele faz comentários sarcásticos a cada cena bizarra e você o repreende. Não é muito melhor (e lógico) curtir o filme com as amigas e encontrar com ele depois do cinema contente, inteira?

"Só quem está realizada e com a auto-estima no lugar chega completa numa relação. Mas, em geral, somos metades que se encontram", diz Susan. Admiramos no outro as qualidades que nos faltam, com a esperança de preencher com elas nossa metade vazia. "Aí vira uma alimentação mútua de carências, em que o vínculo é usado para oprimir, controlar. Sei que precisa do meu afago, então não dou para fazer você sofrer", explica.

Entre almas gêmeas o amor é incondicional, desinteressado. "A gente se doa porque é bom, gostoso. Quem está inteiro não usa o outro como muleta nem se sente rejeitado porque não ganhou um carinho. Está com saudade de ser tocada? Marque uma massagem!", sugere a terapeuta.

Enquadramos os autênticos

Inúmeros casais vivem relações de dependência. Um é inseguro, o outro decidido; um é tímido, o outro extrovertido; um é paciente, o outro genioso. Com o tempo acabam se sentindo incomodados justamente por aquele lado da personalidade que os fascinou. Susan cita o exemplo das pessoas autênticas. "São deliciosas, interessantes, únicas no seu jeito livre de se expressar, mas difíceis no trato. Por não saber lidar com elas, partimos para o ataque. Passamos a acusá-las de exageradas, inoportunas. Para evitar atritos, elas se enquadram, perdendo a autenticidade".

O engenheiro Flávio Teixeira, 31 anos, e a psicóloga Maria Angélica Sampaio, 30 anos, cansaram de brigas por motivos banais. "Eu viajava muito a trabalho e ele cobrava minhas ausências. Mas era meu momento de crescimento, tinha que investir nisso! Como queríamos ficar juntos, fomos fazer terapia", diz Angélica.

Flávio não se arrepende: "Sem o auxílio da Susan o casamento teria degringolado. Aprendi a lidar com o sucesso de minha mulher. Não dá para pedir que chegue cedo nem insista com a ginástica. Ela tem sua maneira de ser. Para decifrá-la, comecei a ler livros de arte, de decoração e até esotéricos. A convivência se enriquece se não nos fechamos em nossas certezas". Angélica também passou a se interessar por informática e telefonia: "Fica mais fácil entender o outro se penetrarmos no mundo dele. Hoje eu sei porque a fibra ótica estica e vibra. Onde há amor suficiente para apagar a fogueira das vaidades, há esperança de dar certo".

(Denise Ribeiro)

*colaborou Roseli Lopes

Fonte: Revista Cláudia – 11/1999 – páginas 186-188


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